domingo, 10 de junho de 2018

Os limões - Eugênio Montale


Os limões

* Por Eugênio Montale

Escuta-me, os poetas laureados 
movem-se tão somente entre as plantas 
de nomes pouco usados: buxos ligustros e acantos. 
Eu, por mim, gosto de caminhos que levam às agrestes 
valas aonde em poças 
já meio secas rapazes apanham 
alguma enguia miúda: 
as veredas que seguem junto às bordas, 
descem por entre os tufos de canas 
e chegam até os hortos, no meio dos limoeiros.

É melhor quando a algazarra dos pássaros 

se dilui e é tragada pelo azul: 
mais claro se há de escutar o sussurro 
de ramos amigos no ar que não se move quase, 
e as sensações desse cheiro 
que não se aparta da terra 
e uma doçura inquieta chove no peito. 
Aqui das distraídas paixões 
por um milagre cala-se a guerra, 
aqui até a nós pobres cabe nossa parte de riqueza 
e é o aroma dos limões.

Vês, é nesses silêncios em que as coisas 

se abandonam e como que estão prestes 
a trair o seu último segredo, 
que por vezes se espera 
descobrir um engano da Natureza, 
o ponto morto do mundo, o elo que não resiste,
a mecha a deslindar que enfim nos ponha 
no âmago de uma verdade. 
O olhar revista em torno, 
a mente indaga reúne separa 
no perfume que alastra 
quando mais langue o dia. 
São os silêncios em que se avista 
em toda sombra humana que se afasta 
alguma importunada Divindade.

Mas a ilusão falha e o tempo nos reporta 

às ruidosas cidades onde o azul se mostra 
só aos pedaços, no alto, entre as cimalhas. 
A chuva cansa a terra, depois; cerra-se 
o tédio do inverno sobre as casas, 
a luz se torna avara — a alma amarga. 
Quando um dia um portão entreaberto 
em meio às árvores de um pátio 
nos mostra os amarelos dos limões; 
e o gelo do coração se desfaz, 
e brotam em nosso peito 
as canções que ressoam 
dos seus clarins de ouro solar.


* Poeta, prosador, jornalista e tradutor italiano, ligado aos chamados "poetas herméticos". Como jornalista, trabalhou como redator no Corriere della Sera. Recebeu o Nobel de Literatura de 1975.

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