quarta-feira, 13 de junho de 2018

A intimidade automática dos apelidos - Mara Narciso


A intimidade automática dos apelidos


* Por Mara Narciso
 
A proximidade proporcionada pelas redes sociais assusta aos iniciantes assediados, mas ao mesmo tempo dão aval insuspeitado aos assediadores. A confiança deles vai ao topo. Alguns não entendem que aceitar um desconhecido com amigos em comum para ser contato no Facebook não significa nada, além disso: ser um contato. A impressão de que o outro está ali para receber todo tipo de mensagem ou comentário é um equívoco que pode ter vida curta. Ou não, desde que o assediador não entenda bem o Português. Nesses casos as “carinhas” ajudam na comunicação, mas boa parte dos usuários diz não entender o que significam os emojis. Ninguém é tão incapaz intelectualmente que não entenda esses símbolos. É relativamente fácil deixar clara a distância entre o desejo e a concretização de uma conquista. A intimidade vem devagar, com a conversa, os interesses, as trocas intelectuais. Com aqueles que já se conhecem de outros tempos e locais, pode ser rápida a reaproximação e a descoberta de novas afinidades.
 
Outra situação desagradável é quando se conhece alguém no mundo real e a pessoa, para forçar uma intimidade que não existe, e poderá não vir a existir, começa a chamar a outra de “apelidozinhos carinhosos”. Entre os muitos princípios que norteiam meu comportamento, existem dois que são pétreos: não emprestar dinheiro e nem chamar as pessoas por apelido, ainda que seja por simpáticos diminutivos ou formas reduzidas do nome. Eu tenho uma sobrinha chamada Maria Fernanda e quatro amigas chamadas Maria Luiza. Eu as chamo de Maria Fernanda e Maria Luiza, nem uma letra a mais, nem a menos. Poucas pessoas são por mim chamadas por apelidos, assim mesmo quando sejam nomes da infância, ou então pessoas que são conhecidas, desde a barriga da mãe, por apelidos. Não se trata de não querer proximidade. Até quero, porém sem chamar por “nicknames”.
 
Quem é louco por uma maneira reduzida de falar, que me perdoe, mas eu me incomodo de ouvir esses aparentes dengos, a meu ver, infantilizados, como quando se fala apenas a primeira sílaba do nome: Dri, Fê, Ma, Lu, Fá, Lê, Mi e outras letrinhas. Sou chata, mas ouvir os nomes reduzidos é muito chato também. Gente que mal se conhece, adere esse hábito de aproximação. Eu não gosto, e nem mesmo de reduções, como por exemplo, “Nando” para nomear Fernando.
 
É natural que se siga um grupo em que todos chamam determinada pessoa pelo apelido, nome reduzido e carinhoso, mas, mesmo assim vou contra a corrente. Há casos em que todos chamam de um jeito e eu chamo de outro, e não é para ser diferente, nem por vontade de impor minhas convicções. Ninguém precisa falar como eu falo; apenas eu falar já me é suficiente.  Todos os colegas chamam a minha colega anestesista de “Guida”, mas eu nunca a chamei assim. Só falo Margarida. E isso já tem 44 anos.
 
Outra coisa antipática é uma pessoa descobrir como namorados ou marido e mulher se chamam na intimidade e começam a repeti-los de forma irritante. No caso, desconfiar e não dar vexame pode ser útil, para evitar o ridículo. Pelo sim, pelo não, melhor chamar pelo nome de batismo, exceto quando é um nome tão feio que a própria pessoa peça para não falar. Isso já me aconteceu, e a pessoa era mais conhecida pelo sobrenome. Quando menina eu era chamada na família por “Liu”. Quem me chamava assim já morreu. E também por “Marusca”. Salvem-me!



* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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