O deputado que fala com o Espírito Santo
* Por
Urariano Mota
O deputado ou pastor Marco
Feliciano, todos sabem, preside até
agora, contra a grita geral do Brasil, a Comissão de Direitos Humanos na Câmara
dos Deputados. Resta saber como o deputado/pastor possui uma linha exclusiva,
de ligação direta com o Espírito Santo. Em mais de uma oportunidade, ele aparece
como o Ele maior, pois declara no púlpito, no microfone, diante da câmera ou da
câmara, tanto faz, pois tudo é instrumento para a Sua voz, de feliz Feliciano:
“pela primeira vez na história desse Brasil, um pastor cheio do Espírito Santo
conquistou o espaço que até ontem era dominado por Satanás". É como se o
deputado fosse o próprio Espírito Santo.
Não vem ao caso aqui
lembrar os pecados de corrupção e de abuso de mandato cometidos por Feliciano,
quando não está em uma das pessoas da Santíssima Trindade. Ou quando Lhes dá as
costas, porque a ligação esteve interrompida. No momento, o que mais desperta a
piedade, em toda a gente impura da terra, é o desequilíbrio do deputado Marco Feliciano. Em uma
entrevista, o divino pastor caído em desgraça para a maioria confessou:
“Eu sou filho de uma
mulher que, por causa da pobreza... minha mãe houve um tempo na vida dela em
que ela tinha uma pequena clínica de aborto. Uma clínica clandestina. Eu cresci
no meio disso. Eu vi mulheres perderem os seus bebês assim e eu fiquei
traumatizado por isso. Eu vi fetos serem arrancados de dentro de mulheres”.
A isso, respondeu a mãe
do pecador que é Deus, dois dias depois, em reportagem da Folha de São Paulo:
que o filho jamais viu um aborto feito por ela. Que na época, quando ela recebia
adolescentes para lhes fazer abortos, Feliciano era um recém-nascido. Pois dona
Lúcia Maria Feliciano, a mãe do homem que fala com o Espírito Santo, era então
uma doméstica de 20 anos, mãe solteira de um filho pequeno, o próprio bebê Marco
Feliciano.
Observe o leitor que o nobre
deputado das duas uma: ou é um Ser Superdotado de visões anteriores à sua primeira
consciência, ou se encontra muito fora do lugar na presidência da Comissão de
Direitos Humanos. Com mais propriedade, deveria estar em uma comissão de outros
direitos: dos superfariseus, dos guardiões dos templos antes de Cristo, ou numa
hipótese mais caridosa, na comissão de frente dos pacientes que vagam insones
em um sanatório. Por reconhecimento a todos os seus direitos, que Ele merece a
cada entrevista que comete.
Sem prejuízo dos crimes
contra os direitos das pessoas, Marco Feliciano tem se mostrado um caso de
enlouquecimento em público. Na melhor das hipóteses, ele deveria estar na
presidência de um sanatório de exclusões, onde não entrassem os pecadores mais equilibrados.
A saber: na presidência de um hospício onde fossem barrados os homossexuais, os
negros, os ateus, os socialistas, os democratas, as feministas, os jornalistas,
os trabalhadores, os intelectuais, enfim, toda a mancha escura que nos dá
prazer e orgulho de viver na terra.
Com o seu louco
fundamentalismo, na sua modalidade mais terrível, da que tem visões saneadoras,
ele é a antipropaganda dos evangélicos, dos cristãos, e, acima de tudo, do Congresso Nacional. No tempo da Comissão da
Verdade, da recuperação do Brasil para
uma democracia que encare a memória, o louco deputado Marco Feliciano é
mais que ridículo, é trágico e perigoso. Pois ele possui todas as
características dos fascistas, que se exibem puros, falsos puros, religiosos, na
verdade fariseus, enquanto excluem os homens sujos – todos os homens que não
sejam conforme o seu credo.
Consultando a wikipédia, conhecemos algumas pérolas de Marco Feliciano:
"Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O
motivo da maldição é a polemica (sic). Não sejam irresponsáveis
twitters. A maldição que Noé lança sobre seu neto, canaã, respinga sobre
continente africano, daí a fome, pestes, doenças, guerras étnicas...
Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela
querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que
ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou
mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão
gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos...”
Se um louco assim se
diz repleto do Espírito Santo, penso que caberia processo de calúnia e
difamação movido por todas as igrejas na terra. E nos céus, quando por engano bater à porta de Deus, uma
justa expulsão para o inferno ao lado.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Nosso consolo é que, muito em breve, não saberemos quem foi Marco Feliciano.
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